quinta-feira, 26 de junho de 2008

A primeira vez é agora

A primeira vez foi em 1974, nos meses que se seguiram a Abril, com a fundação do MLM (movimento de libertação da mulher) e a publicação no Diário de Lisboa do manifesto do MAHR (movimento de acção dos homossexuais revolucionários. Pela primeira vez as palavras impressas, gente a pensar e a agir. Para que a liberdade tivesse também a forma da libertação sexual e de género.

Depois no verão de 1980, com o CHOR (colectivo de homossexuais revolucionários), e a sua participação no desfile do 1º de Maio seguinte em que empunharam pela primeira vez cartazes de activismo “homossexual”, como se dizia na altura. E sem ter estado presente nestas ocasiões, ainda conheci a primeira sede, no velho e ocupado edifício da D. Carlos I..

Em 1991 voltou a haver uma primeira vez com a formação do GTH (grupo de trabalho homossexual do PSR) e, no 1º de Maio da CGTP desse ano, com cartazes e pancartas que desde então não largaram a manifestação/festa pelos direitos do trabalho, em Lisboa.

Nesse ano de 1991 a “Organa”, primeira publicação lésbica que antecedeu dois anos a “Lilás”.

Em Junho de 1995, com o GTH na discoteca Climaz, no que foi a primeira comemoração pública do orgulho na cidade. Lembro as escadas onde Al Berto declamou poesia e depois o Fernando cantou, lembro a magia de uma noite que, finalmente, deixava para trás os tempos da clandestinidade, do gueto.

Em Junho de 1997 no primeiro Arraial Pride organizado pela Ilga, no Jardim do Príncipe Real. Palco modesto, muita improvisação, mas uma festa que era de todos e de todas, respirámos e o ar era livre… No dia seguinte muitas reportagens nos jornais com fotos onde ninguém mostrava a cara. E mesmo as pessoas do activismo que o faziam eram menos do que os dedos de uma mão.

Em Setembro desse ano vimos os filmes do 1º Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa e acompanhámos, no ano seguinte, o trabalho de elaboração do primeiro Manifesto conjunto, divulgado no 2º Arraial Pride. Assinavam-no GTH, a Ilga, a Opus Gay e a Abraço.

Em 2000 a primeira Marcha do orgulho. Pela primeira vez a confiança para descer a rua e ganhar o Rossio. Pela primeira vez pessoas a perderem o medo de se mostrarem tal como são, com os seus amores e todas as suas cores.

Em Maio de 2005 a primeira vez foi em Viseu, naquele que foi o primeiro e, até agora, único momento nacional contra a homofobia. “Os paneleiros há-dem morrer todos!”, diziam quem nesse dia se escondeu com raiva porque aquela cidade era a capital do orgulho e da solidariedade LGBT.

E em Março de 2006 em frente ao Patriarcado de Lisboa, a homenagear Gisberta, insultada depois de assassinada. E nesse ano, a primeira Marcha do Orgulho no Porto, o contágio à segunda cidade do país, nas ruas que Gisberta tinha percorrido e onde viveu. A transfobia a ser aí pensada pela primeira vez com a reacção necessária de que já não podemos abrir mão.

E no ano passado, a conduzir (novamente) o carro de som da Marcha, pela primeira vez com uma criança ao meu lado, a jogar gameboy entre os balões coloridos que fazem parte da sua vida.

E poderia ter sido este mês em Ljubljana, em Cracóvia, Moscovo ou em Harare. Sempre que a repressão e o preconceito nos fizerem lembrar que há quem seja perseguido, quem seja alvo de tortura e violência constante, quem não possa marchar sem ser na clandestinidade de leis absurdas e práticas criminosas.

A minha primeira Marcha ainda há-de ser. Será no próximo sábado a partir do Jardim do Príncipe Real. E todas as outras que estão para vir.

João Louçã

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